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O Certificado de Clube Formador e o seu estágio no futebol brasileiro

Há muitos anos, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem como preocupação auxiliar a subsistência dos pequenos clubes, concedendo formas de fomento de suas atividades para impedir que fechem suas portas, como ocorreu com algumas grandes entidades. Esses clubes têm enorme importância no futebol brasileiro, não só pela paixão regional que despertam, mas também como celeiros de grandes jogadores, que iniciam suas carreiras em pequenos centros.

Visando a manutenção de tal prática, em 2012, a CBF regulamentou o Certificado de Clube Formador, que visa proteger os clubes brasileiros formadores de atletas. Alguns dos vários benefícios: a garantia de recebimento de percentuais em futuras negociações (mecanismo de solidariedade); o reembolso financeiro do custo de formação do atleta; a impossibilidade do atleta assinar o primeiro contrato de trabalho sem a autorização do clube formador.

Na teoria, uma forma simples de proteção aos clubes, mas que na prática não vem surtindo o efeito esperado, já que menos de 40 entidades possuem atualmente esse certificado. Mais preocupante é que três clubes que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro não o possuem, sendo um deles o Vasco da Gama, um dos mais tradicionais do país.

Em nossa região, apenas o Grêmio Novorizontino obteve, sendo que o Noroeste tem processo avançado para tanto, devendo conseguir nos próximos meses.

Essa pouca adesão ocorre pela série de exigências que a CBF estabeleceu, com a necessidade de comprovação de requisitos bem onerosos, como programas de treinamentos especiais, assistência médica e acompanhamento psicológico e educacional aos atletas. Somado a isso, a própria dificuldade de formular e registrar o pedido, ante a ausência de assessoria especializada no tema.

Para piorar o cenário, o número de certificações vem caindo. A CBF publica periodicamente a lista de clubes formadores desde outubro de 2015, que começou com 43 agremiações — número maior do que o atual. Isto é, alguns dos clubes que conseguiram comprovar os requisitos iniciais não tiveram condições de mantê-los nas vistorias posteriores, após os términos dos prazos de vigência.

É certo, porém, que os clubes terão que se atentar para a importância do assunto, inclusive porque a CBF criou no início deste ano o Regulamento de Licença, que determina que os participantes da Série A tenham o certificado de clube formador para atuar nas principais competições.

Referida regra fatalmente será estendida às divisões inferiores de forma gradativa, fazendo com que os clubes menores liguem o sinal de alerta.

Diante desse cenário, caberá à CBF proporcionar a essas entidades que consigam meios de obter esse certificado, já que os benefícios são imensos, mas os custos e as exigências ainda parecem maiores do que eles.

 

CARLOS ALBERTO MARTINS JÚNIOR é advogado, especialista em direito desportivo e atua no Freitas Martinho Advogados

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Fundo Municipal de Desenvolvimento Esportivo de Bauru

Em 2010, após anos de discussão sobre o assunto, o Prefeito Rodrigo Agostinho sancionou a Lei nº 5868/10, que criou o Conselho Municipal de Esportes (CME) e o Fundo Municipal de Desenvolvimento Esportivo, destinados a dar apoio financeiro a programas e projetos de caráter esportivo.

À época, essa lei foi apelidada de Lei Rouanet Municipal, pelo objetivo de beneficiar os esportistas da cidade, cujos projetos são inscritos e avaliados para concorrerem aos recursos disponíveis.

Ano após ano, porém, o assunto volta à discussão quando o CME divulga qual o valor da verba a ser destinada às modalidades e associações inscritas.

Essa discussão, inclusive, ocorreu no final do mês de abril, quando foi divulgada a tabela de destinações, contendo, por exemplo, o valor anual de R$ 15 mil ao Noroeste, montante muito menor que o destinado a categorias com menor expressão.

Diante disso, muitos leitores indagaram: como é feita essa divisão e a classificação das entidades beneficiadas? Vamos tentar explicar.

Primeiramente, é importante esclarecer que os valores que compõem o Fundo são provenientes de várias fontes, como dotações da Lei Orçamentária, doações, cessão de espaço publicitário em espaços esportivos, patrocínios, etc.

Pela Lei, esses recursos devem privilegiar políticas e trabalhos governamentais, podendo ser destinados ao desporto profissional ou não, bem como ao paradesporto.

Todos os anos, o CME apura o valor disponível e determina, após criterioso estudo, quais as modalidades e entidades beneficiadas. Depois de apresentada a proposta, esta vai para aprovação da Câmara Municipal e, em seguida, à sanção do prefeito.

A ideia principal do legislador foi destinar o Fundo para o desenvolvimento das atividades que não contam com amplo apoio privado, visando, primeiramente, a representação da cidade em Jogos Regionais e, após, a revelação do atleta para o cenário nacional, sempre com o carimbo de origem bauruense.

Por esse motivo, algumas entidades mais conhecidas como o Noroeste, o Bauru Basket e o Vôlei Bauru acabam recebendo um valor pequeno perto do tamanho de suas necessidades, o que se dá pela possibilidade de obterem com maior facilidade receitas advindas do setor particular, dada a exposição que possuem nas mídias nacionais.

Em sentido inverso, as categorias menores sofrem com a falta de patrocínio e mantêm suas atividades praticamente apenas com a verba vinda do Fundo, motivo pelo qual recebem um maior aporte.

Como cidadão bauruense, é gratificante ver os trabalhos realizados por entidades que recebem esses repasses, como a Associação Nova Era de Tênis de Mesa e a ABDA, já reveladoras de enormes sucessos.

A nós cabe, portanto, fiscalizar de perto a divisão e o repasse dessas verbas para que o escopo da lei seja sempre respeitado.

De igual modo, batalhar para que o Fundo possa aumentar ano a ano, com a possibilidade de auxiliar um número maior de projetos e atletas, inclusive os de maior expressão, fazendo com que Bauru seja sempre reconhecida pelo desenvolvimeto de seu esporte.

 

CARLOS ALBERTO MARTINS JÚNIOR é advogado, especialista em direito desportivo e atua no Freitas Martinho Advogados

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Efeito suspensivo no futebol: jeitinho brasileiro ou aplicação da lei?

Os mais antigos se lembrarão da final do Brasileirão de 1997. Quando Edmundo, então jogador do Vasco, já penalizado com o terceiro cartão amarelo que o tiraria do segundo jogo da decisão contra o Palmeiras, recebeu ordens do banco de reservas para forçar o cartão vermelho. Após ser expulso, o atacante foi levado a julgamento na semana seguinte e seu clube conseguiu o efeito suspensivo da penalidade, deixando-o apto a atuar na partida decisiva e sae tornar campeão brasileiro daquele ano.

Para os mais novos, um exemplo: o episódio Carol Portaluppi. Ocorreu com o Grêmio em 2016, após a filha do treinador Renato Gaúcho adentrar o campo para comemorar a classificação à final da Copa do Brasil e provocar a perda do mando de campo do time gaúcho no último jogo da final do torneio. Ao apresentar o recurso, o Grêmio obteve o efeito suspensivo e pôde jogar em sua arena a finalíssima.

–> ESPORTE JUSTO: leia as colunas anteriores

Mas afinal, esse benefício de efeito suspensivo é um subterfúgio usado pelos clubes ou apenas a utilização correta de um dispositivo de lei?

Explicamos. O sistema de penalidades do futebol é muito semelhante à Justiça Comum brasileira. Os procuradores recebem as súmulas dos árbitros, analisam as infrações cometidas, investigam os atos e, se entenderem que eles são tipificados como infração, oferecem denúncias ao tribunal competente.

Para as competições estaduais, a competência de julgamento é dos Tribunais de Justiça (TJD); nas competições nacionais, a análise é feita pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). As Comissões Disciplinares são responsáveis pela análise de 1ª Instância, enquanto o Pleno analisa os recursos interpostos pelos vencidos.

Como esses recursos precisam de um período maior para análise, foi instituído o efeito suspensivo das decisões para que o atleta não seja privado de exercer suas atividades profissionais.

Esse efeito é concedido pelo relator do recurso apenas em caráter excepcional, ou seja, quando houver fundado receio de dano irreparável ao atleta ou ao clube penalizado. Por exemplo: como o recurso do Grêmio não seria julgado antes do segundo jogo da final da Copa do Brasil, a demora geraria a ele um dano irreparável, pois não jogaria em seu estádio o último jogo de uma importantíssima competição.

Diante disso, foi concedida a suspensão temporária da decisão até julgamento final do procedimento. Entretanto, deve-se deixar claro que, além do receio de dano, a legislação exige que o relator se convença da verossimilhança do alegado. Em palavras práticas, ele deve fazer um pré-julgamento da linha de defesa e verificar se realmente há possibilidade de reversão da penalidade. Se não houver, ainda que exista o perigo do dano, ele não concederá a suspensão da decisão.

Por isso, as suspensões obtidas pelos clubes ao longo dos anos foram baseadas em permissão legal e materializadas pelos brilhantes trabalhos desenvolvidos pelos seus advogados.

Logicamente, sempre existirão “pitacos” das torcidas adversárias sobre a influência que cada clube pode ter nos tribunais estaduais ou no STJD, mas isso faz parte do futebol – aliás, a rivalidade sadia é o que o transforma na grande paixão brasileira.

 

CARLOS ALBERTO MARTINS JÚNIOR é advogado, especialista em direito desportivo e atua no Freitas Martinho Advogados

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Como é composto o salário do jogador de futebol?

O canal CANHOTA 10 no YouTube preparou um vídeo sobre a composição do salário do jogador de futebol no Brasil. Mais abaixo, o advogado Carlos Alberto Martins Júnior detalha em texto.

Por Carlos Alberto Martins Júnior* — Um dos pontos que despertam maior interesse entre os torcedores é o valor recebido pelos principais jogadores dos seus clubes, muitas vezes de patamar astronômico perto da realidade da sociedade brasileira. Porém, o que é efetivamente pago ao jogador? O que é salário e quais são as gratificações devidas?

Vamos tentar explicar. O atleta, como qualquer trabalhador, tem o direito de receber um salário como contraprestação de suas atividades, cujo teto mínimo é estabelecido pelo Sindicato dos Atletas em convenção coletiva.

Além dele, uma boa parte ainda recebe valores adicionais, pagos por outras razões. O mais conhecido deles é decorrente da Licença de Uso de Imagem, que é a autorização dada ao clube para utilizar a imagem do atleta em atividades comerciais, desde uma propaganda simples para comparecimento dos torcedores nos estádios até um projeto específico, como, por exemplo, um programa de sócio-torcedor.

Para isso, as partes firmam um contrato de natureza civil, cujo valor pago deve ser condizente com a real exposição do jogador pelo clube. Como esse contrato não é regido pela legislação trabalhista, o valor devido tem uma carga tributária muito menor ao clube e ao próprio atleta. Diante disso, nossos tribunais têm coibido as práticas abusivas de alguns clubes que pagam verbas salariais mascaradas como direito de imagem, o que prejudica demasiadamente o atleta.

Também vinculado à imagem do atleta, temos o conhecido direito de arena, repassado pelo clube que negocia a transmissão dos seus jogos. Como o atleta é parte do espetáculo, um percentual da receita é distribuída entre os participantes.

Outra remuneração variável é o conhecido “bicho”, pago como gratificação ao atleta no caso de vitória, muitas vezes em dinheiro no próprio vestiário.

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Por fim, as conhecidas “luvas”, que são os valores oferecidos pela assinatura do contrato de trabalho. Para seduzir o jogador a assinar com seu clube, os dirigentes oferecem uma compensação financeira adicional, paga de forma imediata ou dissolvida ao longo do contrato, junto com o salário.

Mesmo diante de tantas formas de “remuneração”, engana-se quem pensa que a profissão de atleta é formada em sua maioria por profissionais bem remunerados. A Fifpro, sindicato mundial de jogadores, ouviu quase 14 mil atletas que atuam em 87 ligas de 54 países diferentes e o resultado aponta que cerca de 60% deles ganham até 2 mil dólares mensais, sendo que no Brasil essa faixa chega a 83,3%.

O mais preocupante é que 41% dos jogadores ouvidos relataram ter sofrido com algum tipo de atraso de salário, em casos extremos, por mais de 12 meses. Assim, salvo os grandes jogadores que atuam nas principais ligas, essa é a real situação dos atletas profissionais no mundo.

CARLOS ALBERTO MARTINS JÚNIOR é advogado, especialista em direito desportivo e atua no Freitas Martinho Advogados

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Clássico com torcida única não é a melhor solução

Nas últimas semanas, notícias envolvendo o Campeonato Carioca ganharam as manchetes esportivas pelas decisões judiciais determinando clássicos com torcida única. Essas notícias reabriram a discussão sobre a legalidade e a real efetividade de privar uma das torcidas em grandes jogos, visando diminuir a violência em nossos estádios.

No Brasil, não há uma legislação federal que determine a proibição de uma das torcidas nesses eventos, motivo pelo qual cada estado tem adotado uma postura. A base dessa discussão reside no direito fundamental de segurança de qualquer cidadão, garantido pela nossa Constituição Federal, legislação máxima no país.

Utilizando essa base legal, o Ministério Público passou a requerer determinações judiciais de isolamento das torcidas nos grandes clássicos, visando acabar com os violentos acontecimentos ocorridos nos últimos anos.

Em São Paulo, desde o ano de 2016, os quatro grandes clubes acordaram com a Secretaria de Segurança Pública, a Federação Paulista e o Ministério Público de adotar a torcida única nos jogos de maior porte. Essa prática resultou em excelentes notícias, como o aumento do número de crianças e mulheres nos estádios e a diminuição dos incidentes entre a torcida e a Polícia.

Parece, então, a solução para a violência? Ainda não. Essa determinação visa, na realidade, um choque emergencial para diminuir a crise da segurança nos estádios, que aumentava gradativamente.

Apesar de outros países terem adotado definitivamente essa prática, como no caso da Argentina, precisamos pensar sempre no melhor para o nosso país que, com certeza, será a possibilidade das duas torcidas conviverem de forma pacífica. Para isso, precisamos somar a melhoria na atuação de quem faz a segurança nesses eventos com o respeito dos torcedores para com os rivais e os próprios organizadores. Se todos ajudarem, o resultado será mais rápido e eficaz.

Depois de perdermos o direito de levar bandeiras com mastro, fogos e batuques nos estádios, não podemos nos ver privados de acompanhar nosso time em um grande jogo. Por isso, vamos lutar para que nossos estádios voltem a ser um ambiente saudável para todos.

CARLOS ALBERTO MARTINS JÚNIOR é advogado, especialista em direito desportivo e atua no Freitas Martinho Advogados