Outro time de azul, 54 anos depois, repetiu o feito de silenciar o Maracanã: o Santo André, campeão da Copa do Brasil de 2004 ao derrotar o Flamengo por 2 a 0. Os bastidores daquele título improvável agora são revelados pelo excelente livro-reportagem Eles calaram o Maracanã, do jornalista Vladimir Bianchini, da ESPN Brasil.
Ele entrevistou os heróis do Ramalhão, compôs uma narrativa agradável demais e entrega um trabalho primoroso, obrigatório para os andreenses e para quem mais gostar de um bom documentário. Nesta entrevista a Fernando Beagá, Vladimir conta alguns detalhes e fala também de sua carreira no jornalismo esportivo, principalmente na sua especialidade: encontrar e contar boas histórias no futebol.
Ele comenta, por exemplo, que fez quase uma centena de reportagens sobre Jorge Jesus, o que renderia outro livro…
O funcionário mais antigo do Maracanã morreu ontem (11/1), aos 84 anos. Estava morando em Niterói, depois de uma temporada em Bauru, onde cresceu. Para homenageá-lo, republico reportagem que fiz com ele em 2008, para a 94FM Revista. A foto é de Luis Cardoso e está pipocando na internet sem o devido crédito.
Memória viva
Isaías Ambrósio cuidou da história do Maracanã por décadas e hoje goza merecido descanso em Bauru
A denominação “Senhor Maracanã” estampou a edição de 17 de fevereiro de 1990 de La Gazzetta dello Sport, principal diário esportivo da Itália. A página, enquadrada e enviada pelos italianos, na ocasião, é apenas uma das lembranças do senhor Isaías Ambrósio. Ele é um importante capítulo da história do mais famoso estádio do mundo. Nascido em 6 de janeiro de 1927, em Pirajuí (veio ainda bebê para Bauru), hoje curte a aposentadoria em sua confortável casa no bairro Mary Dota [à época, antes de voltar para o estado do Rio]. Quando garoto, torcia para a Lusitana, que deu origem ao Bauru Atlético Clube. “Hoje, simpatizo com o Noroeste e gostaria de conhecer o Alfredo de Castilho”, revela.
A história de Isaías com o estádio começou em julho de 1948, quando teve a oportunidade de trabalhar na construção do que seria o principal palco da Copa do Mundo, dois anos depois. Atuou também como telefonista e segurança e morou lá alguns anos. Bom de prosa, ofereceu-se para ser guia turístico do local. Durante cinco décadas, recebeu visitantes, celebridades e chefes de Estado, tendo na ponta da língua várias histórias do “maior do mundo”, inclusive a mais triste delas. “Eu estava na final da Copa de 1950. Bigode [zagueiro da Seleção] era um carniceiro, batia em todo mundo, mas não fez nada no lance do gol. Gigghia passou por ele como quis. Foi triste mesmo!”, relembra.
Isaías voltou para Bauru em 2004, depois lutar contra problemas de saúde. Ele sofreu um acidente vascular cerebral em pleno Maracanã, diante de turistas, ao saber que o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, havia sugerido em uma entrevista demolir o estádio. “Estava triste no Rio e achei por bem terminar meus dias aqui, onde começou a minha vida”, relata. Passados o susto e a desilusão, ele voltou a sorrir. O Maraca foi reformado para o Pan-Americano. Na reabertura, em janeiro de 2006 (um clássico entre Vasco e Botafogo), foi convidado para a festa. “Olhando o Maracanã do gramado, a lágrima escorreu”, conta. A paixão é tanta que ele sempre afirmou que gostaria de ser enterrado no meio do campo. Diante da negativa do chefe, ganhou em contrapartida outro presente: seu segundo casamento, com Zuma, foi celebrado nas dependências do estádio. Mesmo local onde seu nome está eternizado com uma placa, ao lado de feras como Zico e Didi.
Funcionário vivo mais antigo da Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro, órgão que administra o estádio), Isaías orgulha-se do seu número de registro, 00009. Pai de seis filhos (“Todos bem de vida, graças a Deus”), recebeu duas importantes homenagens em 2000, ano do cinquentenário do Maracanã: o título de cidadão do Estado do Rio de Janeiro, por indicação do deputado Roberto Dinamite, e a medalha de mérito Pedro Ernesto (a mais importante comenda do município), requerimento do vereador Agnaldo Timóteo. Nenhuma delas, porém, mais significativa do que seu sorriso, o de um homem realizado.