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Guerrinha: “Meu substituto vai ter um desafio muito grande”

Nada de Panela de Pressão ou a frieza de uma sala de convenções. Guerrinha convidou a imprensa para uma coletiva no condomínio onde mora, à beira do lago onde, certamente, irá pescar com mais frequência nos próximos dias. O vento no rosto tentava amenizar o semblante, de visível tristeza. Apesar de sereno, Jorge Guerra embargou a voz por várias vezes. Continua tentando entender o que aconteceu, mas já está virando a página — deixou no ar que em breve estará de volta à ativa. A seguir, o resultado dessa conversa franca:

O fim
Pra mim é muito triste fazer essa despedida. Mas faz parte. Eu sou público, mexi com muitas pessoas aqui em Bauru e tem que ter explicações sim. Tenho que ter equilíbrio, pois tenho muitos anos de carreira sempre num alto nível de cobrança. Mesmo emocionado, o que faz parte do ser humano… Estou na mesma situação do torcedor: sem entender. Mas tenho que respeitar, sempre cobrei hierarquia. É muito difícil definir o que é certo e errado. O que posso falar é que também fui pego de surpresa. Estava tudo caminhando para treinar forte a partir de agora, depois de todos problemas que tivemos na pré-temporada. Agora espero que eu ajude, com a minha experiência e a minha entrega, outra equipe.”

A obsessão do NBB8 pode ter sido a motivação desse desligamento?
Seria a única coisa. Mas tomar uma decisão desse porte é falta de planejamento, falta de respeito com quem está trabalhando. Quer mexer com o jogador? Dispense o jogador… Não é porque estou falando em causa própria, mas sempre fiz o máximo. E falar que meu perfil é de trabalhar com jogador mais velho. Eu já trabalhei com jogador bom, ruim, mediano, já tirei leite de pedra e fiz vários jogadores. Quem fez o Gui? Quem estava fazendo o Ricardo? Leandrinho? Murilo? Falar que vai trazer um treinador que trabalha com jogadores jovens… Respeito, mas mostrei que meu perfil é para trabalhar com qualquer tipo de elenco. E, principalmente, ter o controle, pois não é fácil dirigir um time. Dentro desse raciocínio, se precisar dispensar um treinador com a história que eu tenho no basquete brasileiro pra motivar um elenco desse nível… Não é um raciocínio lógico. Eu posso falar como profissional de basquete. Tem muita gente que é torcedor e acha que entende. Uma vez o Muricy Ramalho disse uma frase fantástica, de que jogador que joga em time grande e ganha bem não precisa de motivação. Tem é que agradecer. Se precisa de motivador, tem que contratar uma psicóloga e não demitir o técnico.”

entrevista-2Como os investimentos vão diminuir e esta é uma temporada-chave, foi uma medida até desesperada para ganhar o NBB8?
Mas qual a certeza que tem de que vai ganhar? Nem o Flamengo tem. Profissionalismo pra mim é planejar, cumprir, avaliar e fazer mudanças no fim da temporada. Se não conseguiu, estou de pleno acordo. Quando falam que mandaram tal jogador embora, não é bem assim, apenas não renovaram o contrato. Mandar embora é o que estão fazendo comigo. Isso se faz ou pelo desespero que você comentou ou por problemas disciplinares. Já houve situações muito mais complicadas no passado e que foram relevadas. Mas quem pode responder são eles.”

Reação do jogadores
Ficaram surpresos como todos. Tive total apoio deles, mas são profissionais e têm que seguir trabalhando.”

Começo do fim da Associação?
Torço para não acontecer nada, como torci para não acabar um adversário como Limeira. Não é bom para o basquete.”

Alguma interferência externa ao trabalho pode ter contribuído?
Não… Sempre respeitaram muito a comissão técnica. Lógico que a decisão final era minha, mas tínhamos uma dinâmica legal de decisões. A diretoria tem todo o direito de participar e colocou os objetivos da temporada: essa primeira parte era para curtir, mas nós não levamos para esse lado e fomos para ter resultados. O objetivo era claro: NBB e Liga das Américas. Sempre foi muito legal o jeito de trabalhar, de forma alguma teve atrito. A gente só cobrava execução e os jogadores mesmo se cobravam. E nada mudou do ano passado para este. Pode haver acomodação? Faz parte. Mas só o técnico tem responsabilidade?”

Se vão ter que cumprir seu contrato, não foi uma decisão financeira…
No meu contrato diz que têm que pagar até junho se fosse uma decisão deles. Se fosse minha, não. Eu pedi um jogador a mais e não tinha orçamento. Agora, vão ter que achar no orçamento para pagar outro treinador. Mas Bauru pra mim já é passado. Um passado muito feliz.”

Vai frequentar a Panela?
Não… Posso incomodar muitas pessoas, atrapalhar… Não quero atrapalhar ninguém. Gosto de assistir basquete, mas pra mim seria muito difícil. Para a equipe também saber que estou no ginásio. Tem que pensar um pouquinho…”

Substituto
Olha… Eu não aceitaria esse desafio. E olha que eu gosto de desafios! Vai ser um desafio muito grande pra quem entrar.”

Cobranças
A melhor coisa é ter o ginásio lotado e as pessoas cobrando do que atuar em ginásio vazio. Entrei no basquete em julho de 1975, há 40 anos! Quando eu jogava em Franca, não podia nem ir a festa de família quando perdia um jogo… Então, lido bem com pressão. Posso não concordar, como quando questionam taticamente um time com um potencial de bolas de três. Meu amigo Oscar já sabia há muito tempo que o bom aproveitamento nesse quesito traz muitos títulos. Eu fiz um levantamento: tivemos o mesmo percentual de aproveitamento da temporada passada. A passada foi boa? Alguém reclamou? Muita gente questiona os chutes de três do time, mas o foco não é o ataque. O que íamos trabalhar forte era a defesa. Precisa voltar a bola de dois, mas com contra-ataque. O time estava sem saúde para fazer isso no início. Agora sim pode começar um trabalho tático.”

Impacto da saída para o basquete brasileiro
“Falei para o Rodrigo [Paschoalotto]: da mesma forma que a gente constrói, a gente destrói. Tenho recebido inúmeros telefonemas de técnicos, dirigentes, pessoas da imprensa me falando desse impacto. É maior negativamente. Mas pode ser passageiro. De repente a decisão é ótima, continuam ganhando e a vitória é a melhor resposta para tudo. Se continuar ganhando, continuará como estava, só trocou o nome.”

entrevista-3Futuro: gestor ou treinador?
Essa parte de gestão é complicada de existir em equipes. Geralmente, é um administrador da própria cidade, um ex-jogador que não conseguiu virar profissional e não vivenciou o que a gente vivenciou na quadra. O Brasil não tem essa cultura, não tem estrutura. Deveria. Eu tive vários convites para ser gestor, o Rodrigo me convidou. Mas eu não quis por causa do Vitinho, que sempre foi um cara comprometido. Achei que seria uma falta de ética da minha parte, tive essa leitura. E tem tempo ainda, apesar da minha idade, eu tenho muita saúde. Falo muito com o Lula [Ferreira, treinador de Franca] e ele me disse ‘Você está no meio da sua carreira, tem um vigor físico muito grande, um raciocínio muito rápido, porque traz isso de armador e sabe se adaptar a situações e tirar o melhor de um jogador’. Ouvir coisas assim do Lula… Outros técnicos me ligaram, como o Rinaldo [da Liga Sorocabana], a gente briga muito, mas ele me ligou completamente alucinado. Quando eu parei de jogar, me disseram que eu tinha mais três anos, mas eu queria parar assim. Como técnico, a mesma coisa. O dia que eu não tiver capacidade, eu paro. Mas pra falar da minha capacidade, hoje, é só falar o que fiz oito anos em Bauru, tantas coisas que passaram na minha mão. Um time com a incerteza de jogar um Torneio Novo Milênio e chegar à NBA… Que até fez Marília torcer por Bauru! Não preciso provar nada pra ninguém e acho que ainda posso, como técnico, ajudar muitas equipes.”

Seleção? Clube no exterior?
Seleção não faz parte dos meus planos hoje. Não se pode falar nunca, mas hoje não faz parte. É muito desgastante. Quando estive lá, foi um reconhecimento pior do que tive aqui [risos]. Em clubes, é muito difícil trabalhar no exterior, é muito fechado. Só na Venezuela, e um agente já me ligou, mas já estive lá e é muito complicado.”

Desabafo
Permanecer muito tempo no mesmo time, na mesma cidade, incomoda muito as pessoas. Mas deveria ser de reverenciar, como um Pelé que joga só no Santos, um Ademir da Guia que joga só no Palmeiras. Mas hoje tudo ficou simples, tudo rápido, e eu sou meio antigo ainda… Eu tenho sim projetos para continuar no basquetebol brasileiro, que eu ajudei a fazer parte do crescimento, em reuniões do comitê da Liga. Naturalmente, haverá outros ciclos. Se aparecer um convite, vou analisar. A parte financeira é a menos importante. O mais importante é trabalhar com as pessoas, a cidade, os objetivos. Não preciso de nada pra me motivar, sou muito competitivo, gosto de tirar o máximo. Gosto de viver cada dia como se fosse o último. Por isso as pessoas confundem quando me emociono muito. Mas eu faço as coisas com emoção mesmo.”

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Guerrinha: “Dever cumprido. Criei um filho muito bonito”

Essa foi a frase que Guerrinha respondeu para mim, em rápido áudio no whatsapp, em meio ao turbilhão de ligações que tem recebido durante a tarde – ele prometeu uma nota oficial ainda hoje e, em breve, uma coletiva. Todos, claro, atônitos e surpresos com a notícia de que ele não é mais técnico do Paschoalotto Bauru. De fato, o Dragão era um filhotinho, oito anos atrás, quando ele, Jorge Guerra, chegou com a pastinha debaixo do braço, recomeçando do zero.

Atualizado: saiu a nota oficial de Guerrinha: “Gostaria de agradecer todas pessoas que fizeram parte dessa minha jornada na cidade d Bauru. Na primeira parte, os 5 anos com o Tilibra e a segunda parte, os 8 anos com o Bauru Basketball Team. Nos dois ciclos tive a felicidade de não só ter feito um trabalho com filosofia de comprometimento, dedicação, superação e entrega como também de ter trazido resultados vitoriosos para a cidade de Bauru com mais de 800 jogos. Hoje recebi a notícia, por decisão do comitê gestor e diretoria, que estaria encerrado meu ciclo na equipe de Bauru por motivos de troca de filosofia de trabalho. Fico profundamente decepcionado da forma como fui surpreendido, sendo punido pelo sucesso de um time, mas ao mesmo tempo feliz por ter sido com um projeto do zero e colocando o nome dessa cidade que mora no meu coração e que me adotou como cidadão bauruense, definitivamente no cenário do basquete mundial.
Nós escolhemos nossos caminhos, tomamos decisões e traçamos nossos objetivos, mas Deus sabe sempre o melhor para nós.”

Esse perfil faz-tudo, aliás, foi forjado antes de Bauru. Guerrinha está diretamente ligado à criação do COC/Ribeirão Preto, que fez história no basquete entre 1997 e 2006. Em sua primeira passagem por Bauru, entre 1998 e 2003, esteve sempre envolvido com questões extra-quadra, o que se intensificou na nova Associação, que é inegavelmente fruto direto de sua entrega. Criou o dragãozinho com zelo, superproteção até, brigando por cada ferida aberta até que ela cicatrizasse. Até o timaço atual sair cuspindo fogo e pescando medalhas.

guerrinhaDedico alguns tópicos de lembranças da passagem de Guerrinha, uma homenagem das muitas que ele merece receber. A comoção nas redes sociais na tarde desta sexta-feira mensura sua importância para o esporte de Bauru. Claro que não era perfeito, nem unanimidade, mas creio que o momento seja de gratidão e reverência, enquanto se apura o que houve — e para sempre. O comunicado oficial fala em “fim de ciclo”, mas os torcedores exigem detalhes, satisfações mesmo. Que havia desgastes, numa relação de tantos anos, certamente. Que o momento financeiro do time é delicado e pode ter havido alguma decisão nesse sentido, também. Guerrinha falou em sua nota de “mudança de filosofia”. Mas nenhuma rusga há de apagar o que ele fez pela Cidade Sem Limites. Como ele mesmo disse em recente entrevista ao Canhota 10, quando recebeu o título de Cidadão Bauruense: “Já ganhei bastante coisa, mas o prêmio que mais fica é o respeito e a gratidão. O que mais fica é o dia que eu estiver fora daqui e lembrarei o legado que eu deixei. Isso não tem prateleira, está na mente e no coração das pessoas. Aos que acham que faço algo errado, faz parte. Mas será que, se eu não tivesse voltado aqui em 2007, haveria basquete em Bauru? Quem fez mais pelo basquete masculino em Bauru do que o Guerrinha?” — até meio profética essa fala, lendo hoje.

Lágrimas na histórica classificação na Liga das Américas 2012, na volta da Panela
Lágrimas na histórica classificação na Liga das Américas 2012, na volta da Panela

A VOLTA DA PANELA
Todo o imbróglio da reforma do ginásio da Panela de Pressão, por exemplo, só se desenrolou pra valer quando ele deu uma dura entrevista à rádio Unesp, que repercutiu em todos os veículos da cidade. Esse foi apenas um dos vários posicionamentos políticos do treinador, sempre na linha de frente dos assuntos do time. Recordo-me quando não foi à cerimônia de Cidadão Bauruense para Larry Taylor, por não concordar com o tom eleitoreiro que o evento ganhou, ao ser agendado na última sexta-feira antes das eleições de 2012, quando o vereador Batata, propositor do título, concorria à reeleição. O mesmo Batata que sofreu duras críticas de Guerrinha enquanto secretário de esportes.

guerrinha-larryFICA, LARRY
Ainda sobre Larry Taylor, Jorge Guerra teve atuação determinante para a permanência do jogador em 2012, seduzido por uma suposta proposta do Flamengo. O comandante ligou para o diretor do clube carioca na frente de Larry para desmentir a negociação. E pediu ao armador que assinasse a renovação, pois era uma temporada fundamental, a da chegada da Paschoalotto. E o gringo-brasuca assinou.

Festa no avanço à semifinal do NBB5. Foto: Caio Casagrande/Bauru BAsket
Festa no avanço à semifinal do NBB5. Foto: Caio Casagrande/Bauru BAsket

ESPIRITUOSO
Dono das melhores aspas do basquete brasileiro, com suas broncas, metáforas e sinceridade, Guerrinha disparou falas inesquecíveis. Das que me lembro, quando conquistou a então inédita semifinal do NBB5, e a imprensa querendo saber do próximo adversário: “Estamos comemorando, falo com vocês sobre Uberlândia na segunda-feira…”, e logo depois fez coraçãozinho para a torcida de Franca, enquanto o xingavam. Outra boa, muito bravo depois de uma derrota que tirava chances de título paulista: “Copa TV Tem não é título”, referindo-se à taça conquistada pelo time em 2008, querendo dizer que a ambição em quadra deveria ser pelo primeiro título do projeto. Outra: “Jogador chinelinho não joga no meu time!”, após derrota para Franca no NBB4. Vale clicar no link e ver o diálogo entre ele e João Paulo Benini. Impagável!

CAIR A FICHA
A notícia pegou a todos de surpresa. Eu era um dos que faziam coro de que não existe Bauru Basket sem Guerrinha. A vida segue e vamos nos acostumar. Mas convido o leitor a clicar em mais este link, talvez o melhor texto que eu já tenha dedicado a ele. Só resta a todos dizer OBRIGADO. De fato, o Dragão é seu filho, Guerrinha.

SUBSTITUTO
Apesar da comoção, claro que há grande curiosidade sobre o novo treinador — enquanto isso, Hudson Previdelo dirige o time. O GloboEsporte.com falou em Demétrius (que tem boa relação com o diretor técnico Vitinho Jacob), mas ele tem contrato em vigor com o Minas. Até onde apurei, caso Hudson não seja efetivado, está mais para Dedé, ex-Limeira, eleito melhor treinador do NBB7 — e que recentemente colaborou e foi “ouvinte” da comissão técnica bauruense nos duelos contra o Real Madrid. Mais um gesto de Guerrinha, aliás.

 

Foto do topo: Caio Casagrande/Bauru Basket

 

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Abre aspas: Guerrinha, Hettsheimeir e Jefferson comentam a vitória de Bauru sobre Limeira

Após a vitória por 84 a 66 do Paschoalotto Bauru sobre Limeira, foi aquela correria para o Alfredão, com a bola já rolando entre Noroeste e Lemense. Assim, fiquei devendo as entrevistas pós-jogo. Os papos não esfriaram, tem coisa bacana, ouça abaixo!

RAFAEL HETTSHEIMEIR, o Canela, comenta os treinos nos Spurs (escorregadios, como sempre…)

 

JEFFERSON WILLIAM celebra o retorno, após mais de seis meses de tratamento do tendão de aquiles

 

GUERRINHA comenta a primeira partida com o elenco principal (quase) completo e como os playoffs vão ajudar contra o Real Madrid

 

RAFAEL MINEIRO, pivô de Limeira e reforço pontual do Dragão para o Intercontinental, fala sobre essa oportunidade

 

A propósito, o Bauru Basket já está classificado para os playoffs do Paulista, após a vitória de Franca sobre o América. Se vencer o América nesta terça, termina em segundo e Limeira entra. Se perder, o América fica em terceiro e o Dragão em quarto. Rio Claro e Osasco também estão dentro.

Foto: Caio Casagrande/Bauru Basket

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Conheça o acervo de conquistas (e relíquias) do técnico Guerrinha

Recentemente, ficou pronto um cantinho especial na casa do técnico do Paschoalotto Bauru, Guerrinha. A TV Tem já esteve lá e mostrou rapidamente a bacana decoração idealizada pela Renata, esposa do ex-armador da Seleção. Também fui lá conferir o espaço e clicar os detalhes.

Nunca é demais lembrar que Jorge Guerra brilho como jogador entre os anos 1970 e 1990, ganhando dezenas de títulos com a camisa de Franca, além de ser titular do épico time que ganhou o Pan de 1987, a primeira derrota dos Estados Unidos em solo norte-americano.

Medalhas, diplomas, camisas, souvenirs e muitas pastas com fotos, estatísticas e recortes de jornais e revistas fazem parte do acervo. O curioso é que nem todas as honrarias estão lá. É que Guerrinha tem o hábito de dar medalhas a uma criança ou um(a) senhor(a). A de bronze do NBB5, por exemplo, ele deu para o mito seo Zé. A de prata da edição 7, para o sogro, que devolveu exatamente para enfeitar a sala.

É claro que a visita rendeu longo papo, do sempre bom de aspas Jorge Guerra, que logo publico, com o lado caseiro do treinador. Decidi fracionar o material para o leitor degustar logo as imagens abaixo, de valor histórico. Se quiser vê-las em tamanho maior, clique sobre uma delas e vá clicando na setinha.

 

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Fala, Guerrinha! “Não sou o dono da verdade”

Depois de separar algumas declarações de Jorge Guerra na longa entrevista que fiz com ele há algumas semanas, chegou a hora de fechar a série com perguntas e respostas, numa conversa franca em que toquei nos pontos mais discutidos após a derrota para o Flamengo na final do NBB 7. O texto é longo, mas vale a pena.

Que balanço você faz da temporada?
“Em termos de resultado, foi fantástico. Dificilmente outra equipe conseguirá ter uma performance como nós tivemos. Nosso pior resultado foi um vice-campeonato diante do campeão mundial. Na temporada regular do NBB, recordes, só duas derrotas. Jogando campeonatos paralelos, uma enorme sequência de vitórias jogando fora de casa, com jogadores machucados. Ganhamos dois campeonatos internacionais de forma invicta. E o melhor de tudo: os quatro jogadores que chegaram, muito competitivos, se encaixaram muito bem. O grande resultado foi fazer um time com esses jogadores que chegaram [Alex, Jefferson, Hettsheimeir e Day]. Caras de personalidade, leões, que não aceitam qualquer coisa. Se chegaram onde chegaram, é porque são diferenciados em tudo. Mas nunca perderam o respeito, nem entre eles, nem com a gente. Sempre agiram pensando no que poderiam fazer pelo time. Essa química veio muito rápido em função disso. E praticamente sem treinamento, só jogando. Mas o balanço é super positivo. Muitos me perguntaram se eu fiquei triste porque não ganhei o troféu de melhor técnico. Em sete temporadas, fui indicado entre os três melhores cinco vezes. Mas o melhor troféu que eu poderia receber é disputar um Mundial contra o Real Madrid, saindo do zero há sete anos, sempre por Bauru. E comentei com o Hudson [Previdelo, assistente] a satisfação de proporcionarmos ao Ricardo, o jogador mais jovem, ganhar todos os prêmios individuais que disputou. E ao Alex, aos 35 anos, depois de ganhar tudo, ser o dono da festa do NBB e ser o MVP de três campeonatos. O mais jovem e o mais velho premiados… Ninguém fica mais feliz com o jogador do que a gente.”

guerrinha-quartetoO que deu errado na final contra o Flamengo?
“Na reunião dos técnicos, conversei com o Neto [treinador do Flamengo]. Uma discussão aberta. Ele colocou na apresentação dele que não tinha mais o que fazer taticamente contra Limeira [na semifinal]. Ele arriscou, o time foi contra ele, mas deu certo. Aí eu perguntei pra ele como se reprogramaram taticamente para os playoffs. Porque a equipe com quem eles tiveram mais facilidade foi a nossa. Nós nos sentimos impotentes para fazer qualquer mudança. Tentamos várias. A que mais deu certo foi marcar zona e esperar o erro deles, que ocorreu. Só que ofensivamente estávamos fracos, sem energia e sem aproveitamento. Foram nossos dois melhores jogos taticamente, mas tecnicamente e fisicamente muito pobres. Não sei de onde o time tirou força no último quarto em Marília, além da boa performance do Day, que nos colocou no jogo. No basquete, jogar errado é uma coisa, errar é outra. É a execução final. O Alex fazia tudo certo e errava a bandeja, a bola do Murilo teimava em não entrar. Aquilo vai te deixando fraco e não tinha mais de onde buscar forças. O Neto falou que a série contra São José [nas quartas] já estava praticamente perdida, porque haviam perdido o foco e não valorizado o adversário como os outros. Então, às vezes você faz uma puta preparação, mas por uma falta de foco, tudo isso desativa e é colocado em risco. O que eu aprendi muito nessa temporada foi dialogar com os jogadores. Antes, eu tinha que instigar os caras emocionalmente para obter resultados. Neste ano, não precisei tanto. Eu só cobrava em termos de execução. E nos playoffs nós não executamos mal. Foram outros fatores. Foi o cansaço, o emocional, foi ganhar tudo. Será que a gente teve a mesma sede do Flamengo, que tinha que justificar a temporada? Isso é subconsciente, é humano! Adianta por psicóloga? É importante, mas a melhor psicóloga é a vitória. A gente nunca trabalhou tanto quanto nos playoffs. Antes, passávamos boa parte do tempo sem pedir tempo. Contra Mogi [semi], no jogo 4, pedi três tempos em cinco minutos, quando o Alex saiu, para pôr o time na linha. Mas a gente fica muito à mercê de uma vitória numa última bola. Aí, para o leigo que está fora, tem problema no time, fala-se de orçamento… Tem jogador de time por aí que paga dois nossos… A gente acaba respeitando porque é torcedor, é emoção, não é razão. Mas foi um trabalho muito bem feito, desde patrocinador, comitê gestor, comissão técnica, jogadores.”

E que relação tem a reta final com a ausência do Jefferson?
“Pouca gente entendeu taticamente o que aconteceu após a contusão do Jefferson. Graças a Deus o Rafael tinha arremesso, senão íamos ficar com três pivôs 5. O Murilo joga de 4, mas não tem tanto jogo externo quanto o Rafael e o Jefferson. O Rafael ficou extremamente prejudicado com a saída do Jefferson. Não fui eu, foi a circunstância. A única opção para ele jogar de 5 era colocar o Alex na 4. Só que o Alex ficou carregado de faltas em muitos jogos e ficamos amarrados nos playoffs. Pouca gente analisou isso. O Jefferson era muito importante taticamente para outros jogarem. Assim, ficamos amarrados, apesar de muita gente achar que era o elenco do Real Madrid, tivemos problemas. Na reta final, por circunstância tática, Rafael, Ricardo e Alex tiveram que jogar 38 minutos por jogo. Onde vai parar a resistência mental e física?”

Houve questionamentos sobre a quantidade de treinos do time na reta final, só meio período. E culminou com o fato de o Flamengo treinar mais do que Bauru em Marília…
“Isso não tem embasamento nenhum. Nós não fomos para Marília em função de logística. E nosso treino foi seriíssimo, muito mais forte do que os do Flamengo, que só fez oba-oba arremessando. Quem fala isso é oportunista. Um dos temas que a gente debateu muito com a parte de fisioterapia e preparação física foi pedir um treino só. Um treino pode valer mais do que três. O conteúdo, a intensidade e a necessidade é que mandam. Que essas pessoas que falam venham debater para mostrar que estamos errados… Quem determina o volume de treinamento não sou eu, nem o Hudson, nem o André. É o Bruno [Camargo, preparador físico], que foi tão elogiado na preparação da Liga das Américas. E na hora que perde vai criticar? Como é que se compara um time de 80 jogos com um de 50 jogos, que foi o caso do Flamengo? Meu treino é sempre aberto. Quem critica no Facebook, ou mesmo jornalista, pode vir debater comigo no final do treino. A gente é público e tem obrigação, sim, de responder dúvidas. Nosso treino tem conteúdo tático e técnico em cima da parte médica e da preparação física. É feito em conjunto com o físico da academia. Se faz trabalho de resistência lá, é de um jeito na quadra. Se é de força, outro. Não é como antigamente. É muito estudado e compartilhado com todos. Trocamos conteúdo entre todas as comissões técnicas, agora com auxílio de profissionais da NBA. Às vezes, um time precisa treinar três vezes por dia, tem hora que é melhor não treinar. Quem critica faz na base do achismo, nós não podemos trabalhar com achismo.”

Outro ponto: a saída do Larry gerou questionamento sobre o aproveitamento dele, os minutos em quadra, e acabou por colocar em xeque a minutagem de todo o time, aproveitamento do Mathias…
“Eu sou o responsável pelo time. Se o Rodrigo Paschoalotto pedir para eu colocar o jogador de titular e eu achar que não, eu não coloco. Mas hoje em dia, a comissão decide em conjunto. O Dedé [treinador de Limeira] foi muito feliz na entrega do prêmio, de dividir com a comissão. Eu sugeri à Liga que o prêmio seja melhor comissão técnica. Eu não tomo mais decisões sozinho. Já fui voto vencido sobre o time titular, pelo Vitinho, o Hudson e o André. Até o Caio [gerente de comunicação] opina, porque gosta e entende de basquete. O Larry era titular, mas se eu entrasse sempre com ele e o Ricardo, poderia pendurá-lo em faltas. E como o Gui é agressivo na defesa, era importante no início do jogo. Mas o importante é quem mais termina o jogo, os cinco últimos minutos. O Larry terminou a maioria dos jogos. Esse é o time titular. Basquete é vantagem e desvantagem e é preciso equilibrar ataque e defesa. E o Mathias teve muitas chances, muitas. Eu não tenho compromisso com ninguém. Nem com Alex, nem com Rafael, nem com Larry. Tenho compromisso com o time. Se estiver bem… O Mathias saiu contra o Paulistano? Jogou muito mais do que o Rafael, jogador de Seleção e melhor pivô do NBB. Depende dele. Com o Larry, tenho muita liberdade e trocava ideia antes do jogo, explicava porque era melhor começar com outro jogador. Expliquei que era melhor o Gui começar marcando o Shamell, depois ele, por fim o Alex. Nós usamos três caras pra tirar o Shamell do jogo. Alguém viu isso? Isso ninguém vê. Quando dizem que o cara jogou só dois minutos… Eu fui jogador. Em um minuto você mostra seu cartão de visitas. Se está focado, entrou dentro da sua função, quem determina a qualidade é o jogador. Não estávamos encontrando cinco pra jogar contra o Flamengo. O Hermann jogou cinco minutos no segundo jogo! O Neto não gosta do Hermann? Ou foi a circunstância? Os outros estavam jogando bem e ficaram. O jogo, o jogador e o rendimento que determinam. Ninguém quer ganhar mais o jogo do que a comissão técnica. Mais do que o torcedor.”

O Larry foi para Mogi porque queria voltar a jogar de armador. E disse, com humildade, que em Bauru a vaga é do Ricardo… Aproveitá-lo do jeito que ele quer jogar seria um jogo de xadrez, imagino.
“O Larry não vai ter em Mogi muito mais minutos do que teve aqui. Um time que quer ganhar títulos tem que ter mais jogadores. E os jogadores têm que abrir mão de algumas coisas: tempo, volume de jogo… Quando ele chegou em Bauru, eu disse: bate escanteio, cabeceia, defende. Hoje, tem mais gente no time. O dia em que ele veio conversar comigo, eu perguntei o que ele faria se tivesse sido mais uma temporada jogando quarenta minutos, com a língua de fora, fazendo triplo-duplo. Tenho certeza que ele diria ‘Guerrinha, já fiz minha parte, agora quero ir para um time campeão’. Ele concordou. Agora foi diferente. Pra ser campeão, precisa de mais gente. O Flamengo foi campeão com Hermann, campeão olímpico, jogando cinco minutos, com Marcelinho, história do clube, no banco. Até o Michael Jordan precisou de jogadores ao lado dele pra ser campeão. O LeBron foi pra Miami pra ser campeão. O Ricardo respondeu na quadra porque ele jogou de 1, ganhou todos os prêmios – e não foi só o Guerrinha que votou nele. O Larry pode voltar a ter o jogo dele lá, mas já tem 35 anos. Não tem ninguém que torce mais para o Larry ir bem do que eu, pois estou com ele desde o início. Nosso relacionamento é fantástico, mas eu pensei pelo bem do time. Podia ser minha mãe jogando, que ela ficaria no banco. Ele teve o espaço dele, foi o melhor sexto homem do NBB na minha opinião. Quando o Alex ia mal, Ricardo ia mal, entrava o São Larry, que tapou todos os buracos. Ele cobriu tudo, taticamente, tecnicamente, fisicamente. Tenho mais do que carinho por ele, tenho gratidão e respeito. E ele também por nós, tenho certeza.”

GuerrinhaComo é o relacionamento com os jogadores? Tem hora que tem que brigar, alguém questiona uma tática, uma substituição. O atrito é da sua função…
“O cara não pode achar que a crítica é pessoal. Este ano, não teve nada. Pois os jogadores são muito profissionais. Querem jogar sempre, são competitivos, mas sabendo conversar, pode questionar o que quiser. E eu debati o plano de jogo com eles. Eu me expus a isso, deixei eles interferirem e até mudarem situações. Argumentou, tem razão, estamos juntos, não sou o dono da verdade.”

Nesse ponto, você se abriu mais, aumentou a comissão técnica.
“Teve uma evolução da minha parte e uma contrapartida do outro lado. Tem jogador que tem, tem jogador que acha que tem, que acha é gestor de pessoas no time e não é gestor nem da própria vida. Esse time tem contrapartida.”

O Alex é o mais preparado, nesse ponto?
“O maior líder do time não é o Alex, é o Jefferson. O Alex tem atitude, o Larry tem atitude, o Ricardo é jovem, mas é o que mais fala. Todos têm sua função. O Rafael e o Murilo são mais passivos, o que é normal para pivôs. O Edvar [Simões, treinador] falava que basquete é o esporte mais justo, porque tem gigantes, mas quem manda é o baixinho. Pela necessidade de sobrevivência no meio dos grandões.”

Como recebeu as cobranças que surgiram sobre o seu trabalho, após a derrota na final? Também questionaram muito por causa do elenco ser poderoso.
“O técnico do Utah Jazz ficou muitos anos e não ganhou um título. Mas no Brasil, quando você compra um carro novo, dizem ‘esse cara tá roubando, hein?’. O cara está sete anos como técnico e isso incomoda as pessoas. Não dá pra entender. São valores invertidos. O sucesso e o resultado incomodam. Eu sou bem-resolvido e vou ter emprego até o último dia que eu quiser trabalhar. Sobre o elenco, todo mundo falando de time milionário… E o tanto que nós trabalhamos? O Alex seria campeão se não houvesse base, se não houvesse trabalho? Sem ele, dificilmente conseguiríamos tudo. Mas são várias coisas. A sorte do nosso time é que são jogadores muito maduros.”

 

Foto: Luiz Pires/LNB