Depois de separar algumas declarações de Jorge Guerra na longa entrevista que fiz com ele há algumas semanas, chegou a hora de fechar a série com perguntas e respostas, numa conversa franca em que toquei nos pontos mais discutidos após a derrota para o Flamengo na final do NBB 7. O texto é longo, mas vale a pena.
Que balanço você faz da temporada?
“Em termos de resultado, foi fantástico. Dificilmente outra equipe conseguirá ter uma performance como nós tivemos. Nosso pior resultado foi um vice-campeonato diante do campeão mundial. Na temporada regular do NBB, recordes, só duas derrotas. Jogando campeonatos paralelos, uma enorme sequência de vitórias jogando fora de casa, com jogadores machucados. Ganhamos dois campeonatos internacionais de forma invicta. E o melhor de tudo: os quatro jogadores que chegaram, muito competitivos, se encaixaram muito bem. O grande resultado foi fazer um time com esses jogadores que chegaram [Alex, Jefferson, Hettsheimeir e Day]. Caras de personalidade, leões, que não aceitam qualquer coisa. Se chegaram onde chegaram, é porque são diferenciados em tudo. Mas nunca perderam o respeito, nem entre eles, nem com a gente. Sempre agiram pensando no que poderiam fazer pelo time. Essa química veio muito rápido em função disso. E praticamente sem treinamento, só jogando. Mas o balanço é super positivo. Muitos me perguntaram se eu fiquei triste porque não ganhei o troféu de melhor técnico. Em sete temporadas, fui indicado entre os três melhores cinco vezes. Mas o melhor troféu que eu poderia receber é disputar um Mundial contra o Real Madrid, saindo do zero há sete anos, sempre por Bauru. E comentei com o Hudson [Previdelo, assistente] a satisfação de proporcionarmos ao Ricardo, o jogador mais jovem, ganhar todos os prêmios individuais que disputou. E ao Alex, aos 35 anos, depois de ganhar tudo, ser o dono da festa do NBB e ser o MVP de três campeonatos. O mais jovem e o mais velho premiados… Ninguém fica mais feliz com o jogador do que a gente.”
O que deu errado na final contra o Flamengo?
“Na reunião dos técnicos, conversei com o Neto [treinador do Flamengo]. Uma discussão aberta. Ele colocou na apresentação dele que não tinha mais o que fazer taticamente contra Limeira [na semifinal]. Ele arriscou, o time foi contra ele, mas deu certo. Aí eu perguntei pra ele como se reprogramaram taticamente para os playoffs. Porque a equipe com quem eles tiveram mais facilidade foi a nossa. Nós nos sentimos impotentes para fazer qualquer mudança. Tentamos várias. A que mais deu certo foi marcar zona e esperar o erro deles, que ocorreu. Só que ofensivamente estávamos fracos, sem energia e sem aproveitamento. Foram nossos dois melhores jogos taticamente, mas tecnicamente e fisicamente muito pobres. Não sei de onde o time tirou força no último quarto em Marília, além da boa performance do Day, que nos colocou no jogo. No basquete, jogar errado é uma coisa, errar é outra. É a execução final. O Alex fazia tudo certo e errava a bandeja, a bola do Murilo teimava em não entrar. Aquilo vai te deixando fraco e não tinha mais de onde buscar forças. O Neto falou que a série contra São José [nas quartas] já estava praticamente perdida, porque haviam perdido o foco e não valorizado o adversário como os outros. Então, às vezes você faz uma puta preparação, mas por uma falta de foco, tudo isso desativa e é colocado em risco. O que eu aprendi muito nessa temporada foi dialogar com os jogadores. Antes, eu tinha que instigar os caras emocionalmente para obter resultados. Neste ano, não precisei tanto. Eu só cobrava em termos de execução. E nos playoffs nós não executamos mal. Foram outros fatores. Foi o cansaço, o emocional, foi ganhar tudo. Será que a gente teve a mesma sede do Flamengo, que tinha que justificar a temporada? Isso é subconsciente, é humano! Adianta por psicóloga? É importante, mas a melhor psicóloga é a vitória. A gente nunca trabalhou tanto quanto nos playoffs. Antes, passávamos boa parte do tempo sem pedir tempo. Contra Mogi [semi], no jogo 4, pedi três tempos em cinco minutos, quando o Alex saiu, para pôr o time na linha. Mas a gente fica muito à mercê de uma vitória numa última bola. Aí, para o leigo que está fora, tem problema no time, fala-se de orçamento… Tem jogador de time por aí que paga dois nossos… A gente acaba respeitando porque é torcedor, é emoção, não é razão. Mas foi um trabalho muito bem feito, desde patrocinador, comitê gestor, comissão técnica, jogadores.”
E que relação tem a reta final com a ausência do Jefferson?
“Pouca gente entendeu taticamente o que aconteceu após a contusão do Jefferson. Graças a Deus o Rafael tinha arremesso, senão íamos ficar com três pivôs 5. O Murilo joga de 4, mas não tem tanto jogo externo quanto o Rafael e o Jefferson. O Rafael ficou extremamente prejudicado com a saída do Jefferson. Não fui eu, foi a circunstância. A única opção para ele jogar de 5 era colocar o Alex na 4. Só que o Alex ficou carregado de faltas em muitos jogos e ficamos amarrados nos playoffs. Pouca gente analisou isso. O Jefferson era muito importante taticamente para outros jogarem. Assim, ficamos amarrados, apesar de muita gente achar que era o elenco do Real Madrid, tivemos problemas. Na reta final, por circunstância tática, Rafael, Ricardo e Alex tiveram que jogar 38 minutos por jogo. Onde vai parar a resistência mental e física?”
Houve questionamentos sobre a quantidade de treinos do time na reta final, só meio período. E culminou com o fato de o Flamengo treinar mais do que Bauru em Marília…
“Isso não tem embasamento nenhum. Nós não fomos para Marília em função de logística. E nosso treino foi seriíssimo, muito mais forte do que os do Flamengo, que só fez oba-oba arremessando. Quem fala isso é oportunista. Um dos temas que a gente debateu muito com a parte de fisioterapia e preparação física foi pedir um treino só. Um treino pode valer mais do que três. O conteúdo, a intensidade e a necessidade é que mandam. Que essas pessoas que falam venham debater para mostrar que estamos errados… Quem determina o volume de treinamento não sou eu, nem o Hudson, nem o André. É o Bruno [Camargo, preparador físico], que foi tão elogiado na preparação da Liga das Américas. E na hora que perde vai criticar? Como é que se compara um time de 80 jogos com um de 50 jogos, que foi o caso do Flamengo? Meu treino é sempre aberto. Quem critica no Facebook, ou mesmo jornalista, pode vir debater comigo no final do treino. A gente é público e tem obrigação, sim, de responder dúvidas. Nosso treino tem conteúdo tático e técnico em cima da parte médica e da preparação física. É feito em conjunto com o físico da academia. Se faz trabalho de resistência lá, é de um jeito na quadra. Se é de força, outro. Não é como antigamente. É muito estudado e compartilhado com todos. Trocamos conteúdo entre todas as comissões técnicas, agora com auxílio de profissionais da NBA. Às vezes, um time precisa treinar três vezes por dia, tem hora que é melhor não treinar. Quem critica faz na base do achismo, nós não podemos trabalhar com achismo.”
Outro ponto: a saída do Larry gerou questionamento sobre o aproveitamento dele, os minutos em quadra, e acabou por colocar em xeque a minutagem de todo o time, aproveitamento do Mathias…
“Eu sou o responsável pelo time. Se o Rodrigo Paschoalotto pedir para eu colocar o jogador de titular e eu achar que não, eu não coloco. Mas hoje em dia, a comissão decide em conjunto. O Dedé [treinador de Limeira] foi muito feliz na entrega do prêmio, de dividir com a comissão. Eu sugeri à Liga que o prêmio seja melhor comissão técnica. Eu não tomo mais decisões sozinho. Já fui voto vencido sobre o time titular, pelo Vitinho, o Hudson e o André. Até o Caio [gerente de comunicação] opina, porque gosta e entende de basquete. O Larry era titular, mas se eu entrasse sempre com ele e o Ricardo, poderia pendurá-lo em faltas. E como o Gui é agressivo na defesa, era importante no início do jogo. Mas o importante é quem mais termina o jogo, os cinco últimos minutos. O Larry terminou a maioria dos jogos. Esse é o time titular. Basquete é vantagem e desvantagem e é preciso equilibrar ataque e defesa. E o Mathias teve muitas chances, muitas. Eu não tenho compromisso com ninguém. Nem com Alex, nem com Rafael, nem com Larry. Tenho compromisso com o time. Se estiver bem… O Mathias saiu contra o Paulistano? Jogou muito mais do que o Rafael, jogador de Seleção e melhor pivô do NBB. Depende dele. Com o Larry, tenho muita liberdade e trocava ideia antes do jogo, explicava porque era melhor começar com outro jogador. Expliquei que era melhor o Gui começar marcando o Shamell, depois ele, por fim o Alex. Nós usamos três caras pra tirar o Shamell do jogo. Alguém viu isso? Isso ninguém vê. Quando dizem que o cara jogou só dois minutos… Eu fui jogador. Em um minuto você mostra seu cartão de visitas. Se está focado, entrou dentro da sua função, quem determina a qualidade é o jogador. Não estávamos encontrando cinco pra jogar contra o Flamengo. O Hermann jogou cinco minutos no segundo jogo! O Neto não gosta do Hermann? Ou foi a circunstância? Os outros estavam jogando bem e ficaram. O jogo, o jogador e o rendimento que determinam. Ninguém quer ganhar mais o jogo do que a comissão técnica. Mais do que o torcedor.”
O Larry foi para Mogi porque queria voltar a jogar de armador. E disse, com humildade, que em Bauru a vaga é do Ricardo… Aproveitá-lo do jeito que ele quer jogar seria um jogo de xadrez, imagino.
“O Larry não vai ter em Mogi muito mais minutos do que teve aqui. Um time que quer ganhar títulos tem que ter mais jogadores. E os jogadores têm que abrir mão de algumas coisas: tempo, volume de jogo… Quando ele chegou em Bauru, eu disse: bate escanteio, cabeceia, defende. Hoje, tem mais gente no time. O dia em que ele veio conversar comigo, eu perguntei o que ele faria se tivesse sido mais uma temporada jogando quarenta minutos, com a língua de fora, fazendo triplo-duplo. Tenho certeza que ele diria ‘Guerrinha, já fiz minha parte, agora quero ir para um time campeão’. Ele concordou. Agora foi diferente. Pra ser campeão, precisa de mais gente. O Flamengo foi campeão com Hermann, campeão olímpico, jogando cinco minutos, com Marcelinho, história do clube, no banco. Até o Michael Jordan precisou de jogadores ao lado dele pra ser campeão. O LeBron foi pra Miami pra ser campeão. O Ricardo respondeu na quadra porque ele jogou de 1, ganhou todos os prêmios – e não foi só o Guerrinha que votou nele. O Larry pode voltar a ter o jogo dele lá, mas já tem 35 anos. Não tem ninguém que torce mais para o Larry ir bem do que eu, pois estou com ele desde o início. Nosso relacionamento é fantástico, mas eu pensei pelo bem do time. Podia ser minha mãe jogando, que ela ficaria no banco. Ele teve o espaço dele, foi o melhor sexto homem do NBB na minha opinião. Quando o Alex ia mal, Ricardo ia mal, entrava o São Larry, que tapou todos os buracos. Ele cobriu tudo, taticamente, tecnicamente, fisicamente. Tenho mais do que carinho por ele, tenho gratidão e respeito. E ele também por nós, tenho certeza.”
Como é o relacionamento com os jogadores? Tem hora que tem que brigar, alguém questiona uma tática, uma substituição. O atrito é da sua função…
“O cara não pode achar que a crítica é pessoal. Este ano, não teve nada. Pois os jogadores são muito profissionais. Querem jogar sempre, são competitivos, mas sabendo conversar, pode questionar o que quiser. E eu debati o plano de jogo com eles. Eu me expus a isso, deixei eles interferirem e até mudarem situações. Argumentou, tem razão, estamos juntos, não sou o dono da verdade.”
Nesse ponto, você se abriu mais, aumentou a comissão técnica.
“Teve uma evolução da minha parte e uma contrapartida do outro lado. Tem jogador que tem, tem jogador que acha que tem, que acha é gestor de pessoas no time e não é gestor nem da própria vida. Esse time tem contrapartida.”
O Alex é o mais preparado, nesse ponto?
“O maior líder do time não é o Alex, é o Jefferson. O Alex tem atitude, o Larry tem atitude, o Ricardo é jovem, mas é o que mais fala. Todos têm sua função. O Rafael e o Murilo são mais passivos, o que é normal para pivôs. O Edvar [Simões, treinador] falava que basquete é o esporte mais justo, porque tem gigantes, mas quem manda é o baixinho. Pela necessidade de sobrevivência no meio dos grandões.”
Como recebeu as cobranças que surgiram sobre o seu trabalho, após a derrota na final? Também questionaram muito por causa do elenco ser poderoso.
“O técnico do Utah Jazz ficou muitos anos e não ganhou um título. Mas no Brasil, quando você compra um carro novo, dizem ‘esse cara tá roubando, hein?’. O cara está sete anos como técnico e isso incomoda as pessoas. Não dá pra entender. São valores invertidos. O sucesso e o resultado incomodam. Eu sou bem-resolvido e vou ter emprego até o último dia que eu quiser trabalhar. Sobre o elenco, todo mundo falando de time milionário… E o tanto que nós trabalhamos? O Alex seria campeão se não houvesse base, se não houvesse trabalho? Sem ele, dificilmente conseguiríamos tudo. Mas são várias coisas. A sorte do nosso time é que são jogadores muito maduros.”
Foto: Luiz Pires/LNB