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O inferno está só começando

Jornalista Gustavo Longo conta como é a vida na Bezinha, a última divisão do futebol paulista

Por Gustavo Longo

Quem me conhece sabe que nasci e cresci em Porto Ferreira, uma cidade de 50 mil habitantes perdida entre São Carlos e Ribeirão Preto. Lá, futebol profissional acontece apenas com algumas aventuras da Sociedade Esportiva Palmeirinha, que apesar do nome, das cores e do símbolo, não possui nenhuma ligação com a equipe da capital.

O time nunca saiu da última divisão paulista. Das campanhas que me lembro, apenas duas arrancam suspiros dos cinquenta torcedores que perdiam tardes do domingo nas arquibancadas do estádio da Vila Famosa. A primeira, em 2000, tinha o goleiro Aranha e conseguiu a 16ª posição em um total de 45 equipes (evitando a queda para a recém-criada Série B3 na época). A outra, em 2005, foi mais emocionante: a equipe terminou na sétima posição e por muitos dias pudemos sonhar com o primeiro acesso.

De lá para cá, pouco pode ser dito. Aliás, neste ano sequer disputará a competição. Mas entre 1999 e 2005, período no qual acompanhei a equipe, vi de perto alguns dos piores jogadores da história do futebol profissional, atletas talentosos que não tiveram oportunidades, empresários sérios, oportunistas e picaretas. Também assisti jogos de clubes tradicionais, barrigas de aluguel e outros teimosos que não saem da última divisão, mas disputam todos os anos.

Digo tudo isso após ver o Noroeste, time de tantas tradições no interior paulista e do qual aprendi a gostar, cair pela primeira vez para a última divisão, apelidada por muitos como “inferno”.

Fachada do estádio e Palmeirinha em campo, em 2005, em fotos de Emerson Ortunho, do excelente Jogos Perdidos
Fachada do estádio e Palmeirinha em campo, em 2005, em fotos de Emerson Ortunho, do excelente Jogos Perdidos

E realmente é. O campeonato conta com cerca de 40 times e a maioria deles não possuem condições de serem chamados de profissionais. Os estádios são horrorosos e indignos de receberem uma camisa centenária e histórica. Por fim, o regulamento é traiçoeiro: fase regional no início e chega a contar com quatro etapas até definir quem sobe e quem fica com o título.

Mas é apenas o começo de uma longa peregrinação que o torcedor noroestino terá que enfrentar nos próximos meses. Até porque, se vocês acreditam que disputar a quarta divisão já é o fundo do poço, acreditem: continuar nela por mais um ano é o verdadeiro inferno e muito mais doloroso do que esse rebaixamento.

O Noroeste precisa impor sua camisa centenária para bater na Série B e voltar rapidamente para a A-3. Foi o que aconteceu com Ferroviária, Marília e Inter de Limeira, por exemplo. Caso contrário, entrará no espiral da miséria e verá as dificuldades dobrarem a cada ano. Portuguesa Santista disputará sua quinta competição seguida na última divisão. Nacional, Bandeirante de Birigui e Jabaquara sofrem há muitos anos; XV de Jaú, rival histórico do time bauruense, fará sua segunda participação. Toda a tradição adquirida ao longo de décadas no futebol paulista não serve para nada. Todos estão no limbo do futebol.

Permanecer na quarta divisão tira toda a perspectiva de um clube com relação ao seu futuro. O ano esportivo sempre vai começar em abril e, dependendo de onde for eliminado, terminará em julho. As receitas serão cada vez menores, porque não haverá público, TV, mídia, atrativo, nada. Não haverá planejamento de competições, porque o time disputará apenas um torneio – e era por isso que valorizava a Copa Paulista. Vocês não imaginam como é difícil disputar apenas um campeonato por ano.

Se a teoria da conspiração sobre a queda ter sido proposital para revelar jogadores (por conta da limitação de 23 anos de idade) for verdadeira, é mais uma desilusão dos atuais diretores: a Série B não revela ninguém. É apenas um campeonato de passagem dominado por empresários e atletas que teimam em viver do futebol profissional. É considerado o último reduto, a última esperança de conseguir algo na carreira. O que revela jogadores é o Paulista sub-20 e até mesmo o sub-17. Basta olhar os registros: a maioria dos atletas da “Bezinha” está estourando a idade-limite. Convenhamos: com 21, 22 anos, a pessoa tem que estar pelo menos na elite se quiser construir uma carreira. Em todos esses anos acompanhando o Palmeirinha, lembro apenas do Aranha como um atleta que saiu da Série B para um grande clube do futebol brasileiro.

As dificuldades serão muitas, sem dúvida, e nada apagará a mancha de uma queda para a quarta divisão. Mas é melhor encarar o fato como uma oportunidade do destino para realizar as mudanças profundas que o clube exige. É necessário muito trabalho, dedicação, competência, seriedade e honestidade, claro. Até porque continuar na última divisão e longe de qualquer holofote é muito mais vergonhoso do que um rebaixamento.

O jornalista Gustavo Longo até outro dia era repórter do jornal Bom Dia Bauru e acompanhou de perto a vida noroestina. Como torcedor do Palmeirinha, é testemunha ocular da desgraceira que é a quarta divisão e deu esse riquíssimo testemunho opinativo ao Canhota. Hoje trabalhando na capital, Gustavo é pioneiro na cobertura dos esportes de inverno, comentou a Olimpíada de Sochi pela Record News e tem um blog obrigatório para quem gosta ou quer conhecer esse mundo gelado, o Brasil Zero Grau. Valeu, Kid!

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Por Fernando Beagá

Mineiro de Ituiutaba, bauruense de coração. Jornalista e mestre em Comunicação pela Unesp, atuou por 16 anos na Editora Alto Astral, onde foi editor-chefe e responsável pela implantação e edição das revistas esportivas. É produtor de conteúdo freelancer pelo coletivo Estúdio Teca. Resenhou 49 partidas da Copa do Mundo de 2018 para Placar/Veja. Criou o CANHOTA 10 em 2010, a princípio para cobrir o esporte local (ganhador do prêmio Top Blog 2013), e agora lança olhar sobre o futebol nacional e internacional.

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