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Próximo do título paulista, Guerrinha é a cara de Bauru

Luta do treinador por Bauru, desde 2007, vai muito além de perseguir troféus

Há tempos estou com este texto na cabeça e tinha que publicá-lo antes de o Campeonato Paulista ser decidido. Porque, se campeão, pareceria elogio de oba-oba. E antes ainda garante que, em caso de derrota, eu deixe claro que não mudaria uma linha do que penso sobre Guerrinha.

Vamos lá. Há poucos dias, quando Bauru perdeu a semifinal da Liga Sul-Americana — e assim como ocorreu em outras eliminações recentes, principalmente para São José no Paulista 2012 — houve quem pedisse a cabeça do treinador. Com o elenco mais qualificado, a palavra obrigação e a obsessão por um título (que não vem desde 2002) passaram a ganhar força entre torcedores. E humor de torcedor é algo que tem que ser colocado na conta. Afinal, é pela arquibancada que se joga, eles pagam ingresso e têm opinião. Tudo certo. E, democraticamente, uns o queriam fora, outros tantos não imaginam Bauru sem Guerrinha.

Nem eu. Jorge Guerra é a espinha dorsal do que ele mesmo gosta de chamar de projeto. Foi ele quem reativou o basquete em Bauru, trazendo patrocinador máster (GRSA) debaixo do braço e se desdobrando em todas as áreas — de limpar a quadra a fazer as vezes de assessor de imprensa e marqueteiro. Foi quem tomou a frente em todos os momentos espinhosos: brigou pela volta da Panela de Pressão, clamou pelo apoio do empresariado quando as portas quase se fecharam de novo. Falou grosso contra o poder público, mesmo em momentos de festa: criticou a Semel num dia de moção de aplausos à Associação na Câmara e, em outro evento, mesmo com todo o carinho que tem por Larry Taylor, não foi à entrega do título de Cidadão Bauruense ao Alienígena, contra o oportunismo eleitoral de uma sessão a dois dias do pleito municipal.

Defensor ardoroso do Bauru Basket, ele chega até a exagerar, é verdade. A ponto de reclamar de matérias veiculadas na imprensa. Chia mesmo, mas está no seu papel, defendendo o seu lado. E, no fundo, entende o nosso lado. Enfim, vive intensamente pelo basquete e é um agregador, basta ver o tamanho da diretoria hoje, tem quem cuida da base, quem corre pela logística, pelo marketing. Para quem tanto centralizou na época das vacas magras, ele soube soltar as rédeas a partir de dias melhores. Basta ver que seu auxiliar, Hudson Previdelo, hoje é celebrado como o melhor técnido de base do país; e Vitinho Jacob, diretor técnico, tem influência direta na formação do elenco e também é ouvido em decisões dentro da quadra.

Dentro da quadra. Ok, até aqui só falei do Guerrinha ‘manager’ e é o lado ‘treineiro’ que pega na opinião de alguns. Sobretudo quando o quinteto fica afoito na hora de decidir. Às vezes tenho essa impressão também, mas não domino basquete taticamente a ponto de ser tão assertivo na crítica. O que posso dizer é que, olhando ao redor, ele não deve nada aos colegas. Já tirou muito leite de pedra e conquistou posições nos últimos anos que não condiziam com a qualidade do elenco que tinha em mãos. E, o mais importante: o forte elenco atual é formado por muita gente dos elencos de temporadas anteriores, isto, surge aí a principal faceta do treinador, a de formador. Gui Deodato era um moleque magrelo e sonhador há alguns anos. Andrezão, um promessa nascida em Franca buscando minutos. Fischer, um simples arremessador que não sabia defender. Jeff Agba, um trombador que desenvolveu um chute de meia-distância impecável. Pilar, um reboteiro que hoje é celebrado como um dos mais versáteis atletas do basquete brasileiro — sob o comando de Guerrinha, seu humor foi controlado, a pedido do treinador, com ioga; agora, sob as ordens do catimbeiro Gustavinho, o Eclético se exaltou na hora decisiva.

Talvez apenas Larry Taylor tenha sido um golpe de sorte, afinal, tem gringo que dá certo, outros não. O mérito está na cumplicidade que o ex-armador da Seleção criou com o ala que aprendeu a armar, além da confiança que depositou nele. E entre os de talento nato, a visão de oportunidade: Ricardo saiu da reserva de Fúlvio em São José e não foi para vir para a reserva de Larry, já estava nos planos apostar no Ligeirinho. Quanto a Murilo, resgatar a função 4 em seu jogo foi corajoso, o que permitiu que Lucas Tischer vivesse aqui o melhor momento de sua carreira, finalmente titular em um time de ponta nos últimos anos.

Enfim, o título paulista pode coroar todo esse trabalho e Guerrinha merece essa taça. Mas já ouvi dele, várias vezes, com uma calma de irritar a sede do torcedor, que há muito mais em jogo do que um troféu. Que ele trabalha por um grupo forte, unido, de caráter e com comprometimento. Por isso, às vezes, grandes talentos foram embora e a princípio poucos entenderam — mas, assim, ele manteve o clima de amizade dos vestiários. Na última temporada, uma certa ciumeira ameaçou azedar tudo e isso foi decisivo para a remontagem do elenco com menos sotaque ianque — e vieram dois boas-praças de sangue latino.

Guerrinha acha que a glória virá na hora certa. Ela parece bem próxima. Mas, se não vier, há muito trabalho, épicas vitórias e lágrimas de alegria por esse caminho que não podem ser ignoradas. Os detalhes, os segundos que separam os degraus do pódio são do jogo. Fosse como a cultura do futebol, ele já poderia ter caído. Marrelli caiu em São José e a corrente que pressionou por sua saída deve ser a mesma que agora vaia Edvar Simões. Não se faz basquete com impaciência e a luta de Guerrinha, que começou em 2007, é a prova disso. E, com paciência, o título, quando vier, será saboreado também sem pressa, uma festa sem hora para acabar.

Por Fernando Beagá

Mineiro de Ituiutaba, bauruense de coração. Jornalista e mestre em Comunicação pela Unesp, atuou por 16 anos na Editora Alto Astral, onde foi editor-chefe e responsável pela implantação e edição das revistas esportivas. É produtor de conteúdo freelancer pelo coletivo Estúdio Teca. Resenhou 49 partidas da Copa do Mundo de 2018 para Placar/Veja. Criou o CANHOTA 10 em 2010, a princípio para cobrir o esporte local (ganhador do prêmio Top Blog 2013), e agora lança olhar sobre o futebol nacional e internacional.

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