O primeiro termo expressado pela maioria dos comentaristas após o apito final de uma decisão é “título merecido”. Convenhamos, dificilmente um campeão não é digno de levar a taça. Até porque, fosse a Holanda, a Copa do Mundo estaria em boas mãos – mais pela trajetória até a final do que pelo festival de faltas e cartões que os laranjas promoveram contra a Espanha. A Alemanha também faria jus, com seu futebol eficiente, veloz. Aliás, os germânicos ficam entre os três primeiros há três Copas, desempenho louvável.
Uma passada pela final antes de, em tópicos, resumir o que foi este Mundial da África do Sul. O primeiro tempo foi de cochilar. Muito estudo, erros de passe, marcação pesada. Ninguém queria ir para o intervalo perdendo. No segundo, a Holanda acordou quando Sneijder finalmente se fez notar. A ótima assistência do camisa 10 deixou Robben de frente para Casillas. Soubesse finalizar com a direita, o atacante teria driblado o goleiro. Preferiu chutar por baixo e o capitão espanhol, com a ponta do pé, começou a colocar a mão na taça.
Gols perdidos aqui e ali, uma certa displicência nas finalizações e uma irritante preciosidade espanhola em querer chegar dentro da área. Esse cenário se arrastou até os dez minutos do segundo tempo da prorrogação, com muitas interrupções por pontapés e reclamações. Até a Fúria, merecida vencedora do troféu Fair Play, cometeu muitas faltas e recebeu mais que o dobro de cartões do que havia levado até a final – e Iniesta poderia ter sido expulso por uma entrada sem bola em Van Bommel. Heitinga foi tarde quando recebeu o vermelho. Bateu sem dó o tempo todo, mas nem assim intimidou os espanhóis.
O gol da vitória foi a síntese da campanha de La Roja: insistindo na qualidade do passe, uma hora a rede balança. A exemplo da França no início da década, a Espanha é a atual campeã europeia e mundial. Chegou como favorita, deu de ombros para as desconfianças após a derrota na estreia, para a Suíça e, muito mais do que confirmar as previsões do polvo Paul, cravou o palpite de Pelé, até ontem um pé frio em opiniões futebolísticas.
Agora, aos destaques e curiosidades da 19ª Copa do Mundo de futebol:
• Que o comitê brasileiro tenha observado bastante os erros da África do Sul: transporte caótico, insegurança nas ruas, gramados ruins, falhas de organização nos estádios (acesso, cambistas) e a permissividade com as vuvuzelas – que não surja nenhum instrumento semelhante por aqui… E que o acerto mais evidente dos sul-africanos, o aeroporto de Johanesburgo, seja exemplo para nosso caos aéreo.
• Pela primeira vez, a Fifa permitiu que as seleções levassem três jogos de calções e meiões para facilitar a diferenciação de cores nos confrontos. Espanha, Holanda, Uruguai e Portugal se utilizaram desse expediente.
• Para o tamanho da expectativa sobre eles, Messi e Kaká realmente ficaram devendo, em relação a resultado. Porque jogaram bem, sim, até as oitavas. O mau desempenho de ambos no jogo da eliminação de suas seleções é que configurou o fracasso. Já Rooney e Cristiano Ronaldo realmente decepcionaram. O inglês estava em más condições físicas e tem desconto. O português precisa chutar a vaidade e comer um pouco de grama.
• Pela quarta vez seguida, o melhor jogador da Copa não é do time campeão. A última vez que isso aconteceu foi com Romário, em 1994 – incontestável. Ronaldo (1998), Oliver Kahn (2002) e Zidane (2006), vice-campeões, levaram nas Copas seguintes. Neste ano, mais surpreendente: o uruguaio Diego Forlán, quarto colocado, ganhou o prêmio, eleito pelos jornalistas credenciados no Mundial. Tivesse ido para Xavi ou Casillas, também estaria em boas mãos. Sneijder, por sumir no momento decisivo, não – por isso o erro da Copa de 2002, eleger antes da final. Ora, o desempenho no momento mais importante é que define o craque, o fora-de-série, o que sabe lidar com a pressão!
• Os vencedores dos prêmios concedidos pela Fifa:
Bola de Ouro: Diego Forlán (Uruguai)
Bola de Prata: Wesley Sneijder (Holanda)
Bola de Bronze: David Villa (Espanha)
Chuteira de Ouro: Thomas Müller (Alemanha), no critério de desempate: mais assistências e menos minutos jogados do que Villa, Sneijder e Forlán, que também fizeram cinco gols.
Luva de Ouro: Iker Casillas (Espanha)
Melhor jogador jovem: Thomas Müller (Alemanha)
Fair play: Espanha
Não consta na relação da Fifa o prêmio de seleção que mais entreteu o público, que em 2006 ficou com Portugal.
• Desnecessário voltar à Seleção Brasileira. Você pode ler a minha opinião sobre o desempenho do time de Dunga aqui.
• A imprensa brasileira precisa se reciclar para 2014. Ego de jornalista esportivo é espaçoso e uma Copa aqui aumenta a responsabilidade de um bom trabalho… Precisamos de mais respeito, coleguismo – não confundir com corporativismo barato – e menos vaidade, competitividade rasteira.
• Por fim, minha seleção da Copa está na seção times imaginários e, se não foi um campeonato brilhante, com destaques individuais que saltaram aos olhos*, houve muita emoção, jogos com reviravoltas fantásticas, belos gols. A média (2,26 por partida) reflete pouco esse cenário. Como eu já escrevi em outra oportunidade, na coluna do jornal Bom Dia Bauru, foi uma Copa de qualidade de gols, não quantidade.
* A tão bombardeada Copa de 1994 foi, talvez, a última a ter vários craques-solo, aqueles que empurraram seus times e encantaram multidões: Hagi (Romênia), Stoichkov (Bulgária), R. Baggio (Itália) e Romário (Brasil).