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Bola abençoada

Recém-chegado de Israel, o jornalista Marcelo Ricciardi compartilha sua experiência cultural (e boleira) nessa terra conflituosa

Por Marcelo Ricciardi

Blomfield Stadium (Foto: Reprodução/Uefa.com)

Visto das alturas, no vôo que me traz a Tel Aviv, pela companhia El Al (um dos símbolos do orgulho local), o Bloomfield Stadium parece ter bem mais do que os 17.500 lugares que a capacidade alegada no site do Maccabi Tel Aviv, maior vencedor na história do Campeonato Israelense, com 19 conquistas – conta que soma as taças levantadas antes do surgimento de Israel como país autônomo,  em 1948, quando o território ainda se encontrava sob Mandato Britânico.

“É como o Flamengo daqui”, me explica, ao ver a camiseta amarela e azul, o funcionário do aeroporto que inspeciona minha mala (a preocupação com a segurança permeia praticamente todos os ambientes públicos por esses lados conturbados). “Infelizmente, você não poderá embarcar com ela”, diz, até eu me dar conta de que era apenas uma brincadeira com a minha escolha quase acidental. Afinal, foi nada mais que a primeira camisa de um time local que encontrei em uma lojinha, enquanto caminhava pela moderna orla da capital “extraoficial” do país. Por motivos diplomáticos, as demais nações escolheram Tel Aviv, e não Jerusalém – onde encontramos o Parlamento e todas as outras instituições governamentais – como sede de suas embaixadas.

Mais tarde, em um shopping, veria a vestimenta vermelha, com finíssimas linhas brancas horizontais, do Hapoel Tel Aviv, quem, a princípio, pensava ser o grande bicho-papão do futebol local. Simplesmente porque integra um dos grupos na fase principal da Liga dos Campeões 2010/11. Com 11 títulos nacionais, o atual campeão, que joga no mesmo estádio, tem um número menor de estrangeiros no elenco (quatro contra seis). Na contagem de brasileiros, empate, só um pra cada lado. O rival da cidade esteve presente na fase principal do europeu pela última vez em 2004/05. E olha que chegou, em seus domínios, a vencer o Ajax-HOL por 2 a 1 e arrancar o 1 a 1 frente a Juventus-ITA.

Outro Maccabi, da bela e portuária Haifa, também é forte por lá. Da mesma montanha onde foram construídos os Jardins Persas da antiga religião Bahai, se tem uma visão magnífica do Kiryat Eliezer Stadium, com capacidade para 14.000 espectadores. Aliás, por aí se vê que a megalomania em suas arenas não é sintoma do futebol por lá, uma vez que os índices populacionais israelenses são modestos. Empatado com o Hapoel na corrida dentro de suas fronteiras, o clube verde e preto, em 2002/03, teve de encarar os adversários continentais no Chipre, por motivos de segurança. Na cidade de Lefkosia, conseguiu um sonoro 3 a 0 sobre ninguém menos que o Manchester United-ING.

Aproveitando o gancho: por que os clubes de lá e a seleção fazem parte da Uefa? Bem, de início, Israel integrava a confederação asiática, quando os dois “gigantes” de Tel Aviv faturaram três das primeiras quatro edições da Copa dos Campeões da Ásia. Com o tempo, até o futebol acabou se rendendo ao lado prático da coisa: que, na verdade, trata-se de um território europeu implantado no Oriente Médio. Então, a equipe nacional hoje joga a Eurocopa e disputa as eliminatórias européias para a Copa do Mundo.

E Jerusalém, a cidade de cristãos, judeus e muçulmanos, onde fica nessa história? Aqui, representada pelo Beitar, que carrega o mesmo nome do movimento sionista surgido em 1923 (sionistas são aqueles que pregam o retorno de judeus ao redor do globo para a Terra Prometida por Deus a Abraão). Ostentando o simbólico candelabro de sete velas em seu distintivo, os aurinegros são declaradamente ligados aos movimentos de direita, que refutam qualquer partilha ou negociação territorial com os vizinhos árabes-palestinos. Campeão israelense pela primeira vez em 1986/87, totaliza hoje seis triunfos domésticos.

Dentro da efervescente Universidade de Tel Aviv se localiza o Museu da Diáspora, um registro da religião e cultura hebraicas. Em um de seus painéis, retratos de judeus ilustres e marcantes para a humanidade, casos de Einstein, Freud, Karl Marx, Spielberg e Levi Strauss. Esportistas? Lá está o nadador Mike Spitz, lembrado na clássica foto com sete medalhas de ouro olímpicas no pescoço. Antes de acreditar que a linhagem iniciada lá nos confins do tempo, com as Doze Tribos, seja realmente predestinada a triunfar pelos desígnios divinos, vou esperar antes por um Pelé que use o tradicional kipá na cabeça.

Marcelo Ricciardi é jornalista esportivo da Editora Alto Astral e dono de um texto que passeia com louvor pela metáfora e o diálogo com o leitor – não o caso deste, uma descrição riquíssima após viagem a Israel. O Canhota 10 agradece a experiência compartilhada – e a camisa do Maccabi Tel Aviv!

Jerusalém (Foto: SXC.hu)

Por Fernando Beagá

Mineiro de Ituiutaba, bauruense de coração. Jornalista e mestre em Comunicação pela Unesp, atuou por 16 anos na Editora Alto Astral, onde foi editor-chefe e responsável pela implantação e edição das revistas esportivas. É produtor de conteúdo freelancer pelo coletivo Estúdio Teca. Resenhou 49 partidas da Copa do Mundo de 2018 para Placar/Veja. Criou o CANHOTA 10 em 2010, a princípio para cobrir o esporte local (ganhador do prêmio Top Blog 2013), e agora lança olhar sobre o futebol nacional e internacional.

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